quarta-feira, 27 de abril de 2016

Meu relato de parto
 
             Planejei muito minha gravidez. Pesei prós e contras de se ter um filho. Analisei, pesquisei na internet, com amigas, parentes e conhecidas.  Levei em consideração todas as possibilidades conhecidas e resolvi – resolvemos, claro – teremos uma criança. Logo no início da gravidez, meu filho mostrou a que veio: questionar minha necessidade de controle total das situações da vida. 
Tinha ouvido falar em enjoos matinais durante a gravidez e de mulheres que nem sentiam enjoo, mas aqui foi diferente. Nos primeiros três meses estava enjoada 24 horas por dia. Fui me percebendo e entendendo que o segredo era comer. Comer o tempo todo, sem dar trégua pro enjoo. Mas é claro que não era qualquer coisa, dava pra comer frutas frescas ácidas, biscoito de polvilho e arroz com ovo. Depois de adaptar, ficou tudo em ordem.
                Passada a temporada de enjoo, vieram uns tempos de falta de concentração.  E isso esbarrou no meu maior medo, que era de a gravidez alterar meu ritmo de trabalho. Os dias de falta de concentração foram só um susto rápido e aprendi a ser super eficiente no trabalho. Foi um aprendizado que vou levar pra vida! Com todo o medo de não conseguir, trabalhei até o último dia e ainda levo uns detalhes hoje, um mês depois do parto.
                Sempre acreditei que teria uma filha. Lacinhos, bolinhas, vestidinhos, tutu de balé, tudo isso parecia ser certo na minha vida. Foi a ultrassonografia que acabou minha fé em pressentimentos. Eles não existem, são só hábitos de projeção. Meu bebê veio homem, e entrou na vida sem expectativas, projeções ou pressentimentos. Veio como a pessoa que é. E vamos ao parto, que é o que interessa.
                Ao completar 40 semanas, fizemos a consulta pré-natal da semana e falamos sobre a possibilidade de indução, caso o bebê se demorasse além da 42 semanas previstas. Fiquei ansiosa, porque não queria já iniciar o parto com uma indução, mas estava aberta a qualquer intervenção que fosse realmente necessária.
                A DPP – para quem não está grávida, eu traduzo: data prevista para o parto , determinada sempre ao completar 40 semanas de gestação – era dia 21 de março. Nos dias seguintes era feriado de páscoa. Ficamos de molho em casa no feriado, concentrando, fazendo caminhada, tomando chá de canela, e qualquer coisa que pudesse me ajudar a atrair um trabalho de parto. O feriado passou e no domingo de páscoa acordei às seis da manhã com contrações doloridas. Oba, estoura kinder ovo, quero ver meu brinquedinho!
                As dores eram bem leves, com contrações a cada sete minutos.  Não tinha identificado nenhuma contração de treinamento durante a gravidez e, se não fossem as dores, acho que não identificaria até a hora do nascimento. Havia baixado um aplicativo para a marcação das contrações e usei enquanto as dores me permitiam ainda manipular um celular.  Toda alegre e satisfeita, alertei a equipe toda: Dr. Guilhermino , Miriam e equipe Bom Parto e Kalu. Galera, cortem a cerveja do domingo de feriado, hoje vai ter rock, bebê!
                Por toda a manhã, fiquei em casa, curtindo o momento, me jogando no clima, e fazendo caretas nas contrações. Rebolei na bola de pilates, tomei uns banhos quentes, ouvi as músicas que tinha separado na play list do parto, me alimentei bem.  Ainda consegui  almoçar uma comida bem leve, ainda que com certa dificuldade, pois as contrações já eram mais doloridas e o tempo entre elas mais curto.
                Chamei Miriam e Kalu, a coisa estava ficando intensa. Quando ela chegou, estava no momento feliz, entre as contrações. Quando a Miriam chegou, não consegui abrir os olhos pra vê-la, era o momento tenso da contração.  Então, Miriam colocou umas agulhas de acupuntura na minha orelha, para aliviar a dor, entre outras funções. Nessa hora, eu já nem queria saber que funções eram, faria o que a ela falasse que era bom. Durante as consultas de pré-natal com a Miriam e a equipe de enfermeiras obstetras, desde as 28 semanas de gestação, fomos desenvolvendo uma relação tão gostosa, e minha confiança era tão grande, que estava totalmente entregue àquela criatura linda que ela é. Como eu sempre digo: uma deusa, uma louca, uma feiticeira. Ela é demais.
                Em casa, doula e enfermeira me deram a real: ainda estava muito no início. Santa tolerância, Batman! E eu achando que estava na porta da partolândia! Foram embora pras suas casas pra almoçar e se refazer e no fim da tarde, Miriam volta à minha casa. Nessa hora, já estava berrando a cada contração. A bola de pilates, que imaginei ser tão útil no parto, me irritava, porque, além de sentir dor, tinha ainda de me equilibrar sobre a superfície esférica e mole. O chuveiro ajudava um pouco, mas os vizinhos já deviam estar escutando os berros de uma parturiente no silêncio da noite de domingo de páscoa.  A cada contração eu soltava um grito, Miriam apertava um ponto em cada perna, marido segurava nas minhas mãos. Bruno se ofereceu de corpo e alma e eu me agarrei a ele como nunca. Estávamos juntos na nossa empreitada eterna.
                A dor foi se intensificando a noite avançando, quando Guilhermino ligou pra gente. “Miriam, fala com ele que eu quero uma anestesia.” Ouvi as gargalhadas típicas dele do outro lado da linha. Desde as seis da manhã em dor, no final da noite, meu limite já estava se aproximando.  Tentamos mais um pouco permanecer em casa e pensamos que poderia ser bom ainda experimentar a banheira do quarto do hospital. Arrumamos tudo pra sair de casa, malinhas da maternidade em mãos, comecei a vomitar de dor. Já tinha ouvido falar em vomitar de dor, mas achava que era coisa pra quem tem estômago fraco. Mas não, era pra mim também.  Fomos pro hospital.  Chegando lá, Guilhermino já nos esperava, Kalu junto.  Na avaliação, eu nem lembro mais se a dilatação era 4 ou 6 centímetros, minha consciência já não estava lá essas coisas. Sei que pensei “putz, ainda demora muito. Socorro!”
                Entramos pra o quarto, já quis logo entrar na banheira. Quando a contração chegava, meu corpo boiava na água e eu me sentia insegura, sem firmeza, se ter a que me agarrar pra aliviar a dor. De repente boiou um elemento estranho na água, e Bruno arregalou os olhos,” o que é isso? “. Kalu, com o maior sorrisão, aliviou pra ele ”tampão mucoso, a gente adora tampão mucoso!”
Já havia passado da meia noite, e o domingo de páscoa se foi todo em esperança de conhecer meu eterno parceiro. Saí da banheira, fui pro chuveiro, que dava mais segurança.  O aquecimento da água do hospital era solar, então a água variava a temperatura de gelada a escaldante e aquilo ali não me aliviava mais nada. Foi aí que eu pedi a bendita anestesia. Achei que demoraria um pouco, mas rapidinho chegou o salvador com a injeção da alegria. Eu só não sabia que teria que ficar com mil esparadrapos nas costas travando meus movimentos. Mas ok, repousar meia hora após a anestesia foi revigorante. Quando acordei, a equipe me expôs a possibilidade de romper a bolsa, para acelerar o processo, para tentar compensar o efeito retardador da anestesia.  Miriam rompeu a bolsa com toda delicadeza que tem e escorreu um líquido escuro pelas minhas pernas. Surpresa, mecônio! Mas sem problemas, batimentos monitorados o tempo todo, bebê seguindo muito bem a maratona.
                Sentei e levantei da banqueta um milhão de vezes, aguardando sinais de desenvolvimento do trabalho de parto, até que a anestesia passou e recomeçaram as dores, agora muito intensas. As costas doíam muito, a barriga parecia implodir e o colo do útero em força de abertura me faziam vomitar o que não havia comido. A esta hora já estava sem me alimentar havia umas 20 horas e não tinha a menor disposição para isso.
                Pedi mais uma anestesia.  Meia hora de repouso depois da anestesia para um breve descanso, para quem estava sem dormir também havia cerca de 24 horas. Voltamos aos processos, mas essa anestesia não pegou bem os dois lados. O lado direito rapidamente voltou a ter sensibilidade, e a dor voltou, de um lado só, com força total. Chamamos o anestesista e ele, para concertar a assimetria, aplicou mais um pouco.
                Foram três doses. Já tinha passado de meio dia da segunda-feira. Kalu me perguntava pela vontade de fazer cocô e pelo círculo de fogo, clássicos do período expulsivo, e eu não sentia nada. Comecei a me sentir incapaz de parir, pensar mil coisas. Até que a Miriam, com toda doçura, disse “Tati, agora vai ter que nascer. Se não sair pela portinha, vamos ter que abrir uma janelinha”.      Chorei por dentro. Pensei que meu filho veio me mostrar que meu controle sobre a vida é muito limitado. Tinha me preparado tanto para o parto normal, contratei uma equipe super competente, fiz fisioterapia pra fortalecer períneo, li um milhão de textos, estudei tudo e mais um pouco para estar apta a parir e na última hora, não estava conseguindo. O efeito da terceira dose de anestesia estava acabando, não sentia a tal vontade de fazer cocô, nem o tal círculo de fogo. Deu vontade de desistir.
O médico chegou ao quarto e soltei “Guilhermino, desisto”.  Ele, como a pessoa mais bem humorada que já conheci solta o maravilhoso “hahaha, adora quando desiste, é sinal de que já está conseguindo! Vamos te avaliar”. Foi muito difícil permanecer deitada para a avaliação, mas foi rápido e certeiro. “Dilatação dez, colo 100% abatido e bebê no +1. Vai dar certo, o máximo que podemos precisar é passar um fórceps.” Chorei de novo por dentro, mas dessa vez de alegria. Ele propôs a ultima dose de analgesia e eu topei, é claro. Mas Miriam e Kalu me encorajaram a não tomar e tentar finalizar sem a dose. O combinado foi tentar por meia hora e, se não fosse suportável, pediríamos a última dose.
Quando comecei a fazer força durante as contrações, percebi que fazer a força aliviava a dor.  Com abanqueta sobre a cama, Guilhermino e Miriam na minha frente, e Bruno me abanando freneticamente à esquerda – porque eu suava loucamente - , enfiei a cara nos cachos da Kalu e dei tudo de mim. Não sei se tentei meia hora, nem sei se tinha alguma percepção de tempo nesse momento, mas estava no ponto final de toda a batalha pelo meu parto. Não demorou pra dar pra sentir a cabeça dele coroando e mais algumas forças e pulou de dentro de mim uma criança linda! Peguei no colo, nos olhamos nos olhos por alguns segundos. Não chorei, fiquei no espanto. Ele também não chorou, então a equipe o pegou para uns procedimentos. Esfregaram, aspiraram e ele ouvi o choro intenso do meu filhote. Voltou pro meu colo meu bebezão forte, como eu sentia por dentro da barriga. Já veio sabendo mamar com uma força impressionante. Toda a dor foi embora no segundo em que peguei meu filho no colo. Fiquei automaticamente energizada, animada, apaixonada por essa criança linda e especial, que vai me chamar de mãe, que há um mês virou minha vida e já me motivou a fazer coisas que há um mês diria que não faria. E foi dada a largada das olimpíadas de cuspir pra cima e acertar na testa!

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