Pensei muito antes de engravidar e já
sabia de algumas adaptações que deveria fazer na minha vida, para a inserção do
meu tão esperado filhote. Topei tranquila, queria muito meu gordinho pra cobrir
de noite, queria muito porque sim, sabendo que seria a primeira decisão
irracional de uma sequência delas, porque eu já sabia que toda mãe é
irracional.
Mas em nenhum momento li ou ouvi
falar dos efeitos colaterais da gravidez. Já escrevi aqui como foi difícil me
adaptar à vida sem a pílula, que tomei por dezoito anos. Foi um ano sem pílula
até engravidar. Grávida, a felicidade foi plena, sensação maravilhosa de
realização de sonho, andar nas nuvens, tudo lindo e brilhante. Até que começaram
os enjoos. Não, não eram enjoos matinais. Eram 24 horas por dia tentando
segurar o vômito. Para conseguir driblar o enjoo, entendi que deveria comer
alguma coisa o tempo todo, a cada vez que o enjoo retornasse. Isso poderia
variar o tempo e u estava comendo a cada hora, ou meia hora. Sempre que o enjoo
voltava, eu comia mais um pouco. É claro que não comia qualquer coisa, a grande
maioria das comidas me davam mais enjoo. Dava pra comer biscoito de polvilho,
frutas mais firmes e frescas – jamais cremosas do tipo banana, abacate ou manga
– e no almoço arroz com ovo ou macarrão na manteiga. Sim, o enjoo durou cerca
de dois meses seguidos, sem trégua, nem pra dormir. Se eu acordasse às duas da
manhã pra ir ao banheiro, tinha que comer alguma coisa pra distrair o estômago
e ele não me perturbar.
Logo no início da gravidez, meu
cabelo começou a crescer muito. Mil fios novos, curtinhos perto da cabeça,
fazendo um volume muito estranho. O restante do cabelo, que sempre foi oleoso e
fácil de cuidar, ficou ressecado, duro e mais enrolado. Comprei um milhão de
cremes e me acertei com um sem enxague, pra domar a juba depois do banho. Teve
também o fato de não poder pintar o cabelo. Já tinha lido por aí que é possível
usar tonalizantes e achei que isso resolveria meus brancos precoces. Sim, mas
não tinha a informação de que só é seguro depois de meados da gravidez e nos
primeiros meses eu ficaria vendo uma grisalha no espelho. Dizem que depois que
a criança nasce o cabelo cai bastante. Agora eu sei, estou preparada para isso,
e até aguardando este momento de remover a peruca de Playmobil. Can’t wait!
Agora vamos para a pele. Desde que
parei a pílula, minha pele já não estava mais a mesma. Ao engravidar, minha
pele surtou, principalmente nas costas. Não tinha um pedaço de pele onde eu
pudesse por a ponta de um dedo indicador que não tivesse uma espinha inflamada.
Eram vulcões doloridos e coçava, porque a pele estava também muito ressecada.
Fui a uma dermatologista e ela me recomendou um produto. Esperei o período permitido
chegar para iniciar o tratamento e, ao longo de dois meses, já estava bem
melhor, restando somente marcas escuras a cicatrizar.
Neste primeiro trimestre, tentei
trabalhar o máximo que pude. Nunca esteve nos meus planos diminuir o ritmo de
trabalho tão cedo, afinal nem barriga tinha pra atrapalhar, seria desculpa de
preguiçosa, frescura e mimimi. É, mas quem consegue produzir estando o tempo
todo com a sensação de ter comido cachorro quente estragado na praia?
Lá pela 14º semana, iniciando o
quarto mês da gestação, minha vida melhorou muito. Senti que estava de novo
energizada, e me animei para novos trabalhos. A workaholic aqui se iluminou, na
possibilidade de exercer o que tanto gosta, trabalhar! Peguei um projeto que
tinha feito um mês antes para revisar só um item e quando abri, tomei um susto
daqueles! Havia um punhado de falhas, esquecimentos, coisas de quem produziu o
que deu pra produzir na situação em que eu estava. Revisei tudo, alterei,
ajeitei. Tudo certo, a revisão veio para o meu bem.
Senti que estava produtiva de novo,
que liberdade, que maravilha! Uma barriga pesadinha na frente não é problema. E
com 23 semanas, venho aqui hoje para escrever um texto lembrete a fim de que,
no futuro, eu não me esqueça das questões do presente gestacional. Digo isso
porque percebo claramente que meu cérebro não tem funcionado como normalmente e
a memória instantânea está prejudicada. Desta forma, essa semana aconteceram
coisas estranhas na minha vida.
Um dia estava trabalhando e começou a
chover. Fui à janela fechar e por instantes não sabia o que fazer com a janela,
não lembrava como funcionava o sistema de travamento. Depois de alguns
segundos, me lembrei de que era só girar uma peça. Outro dia, pela manhã,
estava fazendo um café. Perdi o pó de café. Procurei no armário, na prateleira,
não achei. Quando desisti, olhei pra bancada e estava lá. Eu já havia colocado
o pó na bancada antes, mas não me lembrava. Ontem fui preparar um jantar,
coloquei a comida na travessa e cobri pra levar ao forno. Em vez de usar papel
alumínio, usei filme de pvc e já ia colocar no forno quando pensei que aquilo
ia dar errado, derreter tudo e emplastificar a comida. Troquei por papel
alumínio e deu certo.
Hoje, tentando trabalhar e sem
conseguir me concentrar, tentei o último dos recursos, que uso em momentos de
desespero: rezar uma Ave Maria. Chegando à parte do “bendito é o fruto do vosso
ventre” me distraí com o trava-línguas “fruto do ventre”, pensei no fruto do
meu ventre e aí esqueci o resto do texto. Só me restou rir muito e alto,
sozinha no escritório e parar pra escrever este texto.
Este está sendo o momento. Isto me
gera medo, porque eu não estava preparada para ter a capacidade produtiva
diminuída antes do nascimento do meu bebê. Não é mimimi e agora sei que muitas
grávidas passam pro incômodos ainda maiores, como dores nas costas, varizes nas
pernas, alergias, incontinência urinária e uma série de sintomas normais, fora
aquelas que tem sérios problemas na gestação. Sei também que o último trimestre
está batendo na minha porta e que o normal é ser a fase mais difícil. Estou
preparada. Eu acho. Depois ainda temo puerpério.
Vejo que o último trimestre deve ser
levado com cautela no que se refere a trabalho. O mais prudente seria não
assumir nenhum compromisso irreversível pois, pela primeira vez na vida, meu
corpo é absolutamente imprevisível e me controla. Aliás, tem o corpo de uma
outra pessoa dentro do meu e isso é bem mais complexo do que parece.
Apenas preciso salientar que sou de
touro e sou uma tora: grande, forte, lutadora. E pensar em um tempo produzindo
menos, o que significa, para quem empreende, receber menos retorno financeiro,
me dá calafrios. Estou fazendo todo o possível para não precisar de ajuda
financeira do marido. É uma questão muito séria para mim, mas vejo que pode ser
necessário, o que pode me requerer uma humildade a ser desenvolvida. Aceitar
que não sou a mulher maravilha pode não ser nada fácil para uma pessoa que se
constituiu como pessoa com forte a poio na profissão e na independência
financeira, desde bem cedo na vida.
O que eu pretendo é registrar aqui
estes incômodos para que, caso eu esqueça tudo isso como dizem que todas
esquecem, eu tenha este texto como um post it. Quando eu vir meu fofuxo lindo
sorrindo banguelo pra mim e tiver vontade de ter mais um, que eu me lembre de
tudo isso e o faça com consciência, ou não faça, conforme achar melhor na
época.
Vamos lá, para a próxima etapa. E a
tal da maternidade é muito mais transformadora do que qualquer um possa imaginar.
Ave Maria! Ah, parece que a palavra “ave” é uma saudação, que pode ser
traduzida como Salve Maria! Não vou nem tecer mais comentários.